Pensa comigo gatinha... E se naquela sessão de cinema alguém viesse nos alertar. Depois de mais um piada daquele filme despretensioso, antes do nosso primeiro beijo não planejado, aquele senhor de cabelos grisalhos quase totalmente escondidos por um chapeuzinho de sambista malandro, sentado bem a nossa frente virasse para trás e perguntasse para nós sussurrando.
- Vocês têm certeza disso?
E nós confusos, ainda sem sequer ter tocados os lábios olharíamos para esse velho e nós perguntaríamos o quanto gá gá ele seria paralisados.
- Crianças. Eu posso ver o futuro, o passado, mas muito pouco do presente. – Ele continuou. – Por exemplo esse filme (apontou para a tela) começou mal e o eu simplesmente sei que vai terminar piro ainda mesmo sem entender bulhufas do que ta acontecendo agora nele.
Eu riria dele como quem concorda com a piada dita, mas pararia subitamente ao perceber que talvez estaria encorajando ele a continuar seu discurso e me detestaria por uns segundos por três transparecido tão falso assim. Até ele voltar a falar.
- Mas por outro lado a chatice desse filme seja o motivo das suas mãos entrelaçadas no encosto da poltrona. – Você saltaria minha mão como por reflexo e eu a sentiria corar num tom vermelho púrpura. – O mundo pode estar conspirando a favor de vocês, meus jovens... Vejam assim! Vejo que no passado vocês eram apenas amigos e vejo que no futuro serão bem mais que isso... O presente sempre é um momento de transição do qual é difícil acompanhar.
Ele sorriria e seu olhar funcionaria como um pendulo indo de você a mim durante todo o discurso. Seria engraçado como ninguém mais parecia ouvir esse senhor de chapéu e terno marrom surrado tagarela. Seria ele um espírito? Como aqueles fantasmas do natal?
- Sabe já sinto o cheiro de amor em vocês. Sim, sim o amor tem cheiro, um dos mais doces que existem. E esse amor vai ser arrebatador em vocês, eu vejo o futuro, em duas semanas não conseguirão mais se largar, tudo vai ser novo e fantástico. Essas duas semanas parecerão meses juntos e não haverá mais razão para não dizer ao mundo “Essa é minha namorada”. Um amor digno de filme hollywoodiano minhas crianças. Um amor bem jovial.
O discurso dele já deixaria de ser aos sussurros a muito tempo. E isso nós incomodaria muito.
- Ai eu volto a lhes perguntar. Vocês têm certeza que querem começar isso?... Responde menina!!
Você tomaria um susto, gaguejaria e eu acabaria com seu constrangimento. Afinal esse é um trabalho de um futuro namorado.
- Por que está perguntando isso? – Responderia no seu lugar.
- Porque eu vejo o futuro criança, esqueceu? Andando mais um tempo na frente minha pergunta fará mais nexo... Brigas, incompreensão... Ai meu Deus! Ofensas!! Tudo por causa de um mal entendido (sua voz teria um som de tristeza e levaria as mãos a cabeça, tiraria o chapéu e o pressionaria contra o peito.) Meu filho, o amor de vocês não durará para sempre. Vejo vocês terminando, vejo os dois aos prantos e como dói meu coração... Sabe, eu com toda minha idade ainda não sei dizer o que é mais intenso, a felicidade do amor ou a dor do rompimento. Vocês vão sofrer muito. As brigas não vão parar, a dor se tornará ódio e nunca mais vocês se verão. A partir de hoje seus dias estão contados. – Vocês tem certeza que querem mudar a amizade? Querem seguir em frente com o destino? Eu lhes dei o poder para decidir e o filme já está para acabar, a hora de beijo está para chegar...
Ele recolocaria o chapéu na cabeça, levantaria e ajeitaria o terno. Ninguém, nem uma alma viva, reclamou de figura em pé no meio do cinema. E assim ele caminharia até a saída, que eu poderia jurar que estava fechada.
Os créditos começariam a passar e no meio de toda essa confusão, eu não pensaria duas vezes, te beijaria para começar nossa historia o quanto antes... Não agüentava mais.
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