Ser um drogado é ter um emprego de horário integral. Marcos tinha a teoria que era preciso um dia de 48 horas para conseguir conviver com o mundo lá fora. Ou, quem sabe, uma droga que durasse mais. Ele não gostava de vender, mas odiava ainda mais não ter dinheiro para comprar. E por isso vendia a amigos mais chegados, que chegavam a sua casa. Muitas vezes tremendo não por frio.
Mal havia anoitecido e três figuras já bateram em sua porta. Sentado em seu sofá e comprado de sua mercadoria. É tudo puro negocio, mas o termo arrepia quem quer esquecer por algumas gramas a frieza que é o mundo. Por isso o teatro. Marcos os cumprimenta como velhos amigos, embora alguns sejam mesmo. Senta no sofá, batem dez minutos de prosa ou mais até que o interessado pergunta “Po, já que eu estou aqui, você tem alguma coisa pra vender?”. Marcos finge não estar preparado para vender, divide a quantidade ali na hora, vende, confraternizam uma dose e se despedem. Um teatro dos meninos perdidos, que usam óculos escuros na luz da lua.
Diego fora a primeiro a aparecer, o que é muito raro para um maconheiro de merda como ele. Eles costumam ligar quase meia noite, querendo para dez minutos depois. Deixam tudo para última hora. São uns filhos da puta. Diego também é, mas é um bom amigo também. Se apareceu mais cedo foi porque não ficou ofendido com o estouro que Marcos deu na última vez que aparecer bêbado às uma da manha pedindo um baseado. Para esse tipo de drogado, a onda é só uma euforia. O papo antes da comprar é só sobre a festa que ele está prestes a ir e Marcos precisa recusar o convite sempre. Os tempos mudam, as pessoas mudam e as drogas também. Diego era o único cara que comprava bala com Marcos e representava mais da metade de seus lucros.
Antes de Diego sair, ainda chegou Nick. Nome de playboy, personalidade de playboy. Mas não do mesmo. Nick era apenas um cara que cresceu num berço de ouro, não conheceu o mundo fora de casa da maneira certa. Se apaixonou pela rua e amaldiçoou sua casa. E para ele a rua era luzes, música e drogas. Marcos gostava desse tipo de companhia. A presença da droga era algo leve, uma boa relação. Na teoria de Marcos com Nick não havia atritos morais, depressão ou fuga de alguma coisa. Nick sentava no sofá puxava um assunto qualquer e sempre sorria. Se era verdadeiro ou não, ninguém preferia descobrir. Pagava sempre na hora, ficava um pouco mais conversando e abrindo o pacote. Mas dessa vez não ficou. Foi embora até antes de Diego. Mas pela menos logo depois Diego também foi.
Quando já era esperado um movimento maior, chegou Jeferson. Um grande menino perdido. Um cara de muitas palavras, porém poucas confissões. Marcos sabia muito pouco sobre ele. Mas era de longe a companhia que mais lhe deixava a vontade. Na teoria de Marcos as razões de Jeferson eram nobres para a alma. Ele amava a onda, usava por prazer. Pra esquecer do que não tem certeza. Por causa de pessoas como ele que a droga existia. Quando Jeferson senta no sofá pede logo seu pacote "Vamos primeiro aos negocios" e depois conversa. Fica horas ainda ali, quando vai embora não diz para onde.
Depois de já dar por encerrada noite. Uma batida diferente ecoa do portão de sua casa. O rosto de Julian era familiar, mas não ali. Um rapaz geração saúde. Nunca se envolveu com drogas, nunca criticou, mas nunca se misturou as loucas sessões de outro mundo. Sempre soube a hora certa de ir embora. Mas quando sentou na sua frente e estendeu o dinheiro, seus olhos carregavam um ressaca da vida. Vermelhos de um sentimento qualquer, ou todos eles. "Você prepara pra mim. Que eu não sei". Marcos soube que a pouco dias a mãe de Julian havia morrido de cancêr. De uma hora pra outra souberam que ela só tinha dois meses de vida. E para esse motivo Marcos não tinha uma teoria. Só olhou bem nos olhos e negou a droga para Julin, que nem se revoltou apenas pediu uma explicação. Marcos lhe deu duas:
1 - Não há lugar pior pra onde você pode ir agora.
2 - Eu preciso de você careta. Uma amizade como a sua é meu único refúgio para quando eu quiser pular fora também.
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