Sento na minha cadeira. Um pouco a frente da metade, quinta fileira, terceira contando do corredor central. Vermelha e acolchoada. Sorte que poucos atrasados como eu conseguem ter. O cinema estava lotado e a cadeira que sobrou a minha direita foi uma das últimas.
Até que apareceu uma interessada no lugar. Eu ainda ocupado com o preparo de me acomodar ao local recém conquistado. Tira casaco, procura os óculos na mochila, põem os óculos, guarda a mochila entre as pernas servindo de cabide para o casaco. E ela me senta sozinha, trazendo um cheiro muito agradável, que me fez levantar a cabeça como um cão que ouviu um assovio. E antes mesmo de conseguir sentir qualquer vergonha, a olho de cima a baixo. Vestida no mais perfeito estilo “meu número”, cabelos ondulados até a cintura, rosto delicado com uma pequena argola no nariz, dando um ar descontraída.
As luzes se apagam e o filme começa. Não conseguia deixar de ter um olho na tela e outro nele. Ainda mais quando ela ria de um modo, que me deixava sem graça ao perceber o meu encanto com aquilo. Ao mesmo tempo em que eu, nas mesmas graças que eu sentia. E muitas vezes sozinhos. Lá pelo terceiro rolo, já parecia que víamos o filme juntos, compartilhando gostos. Não tinha como ela não perceber isso. Não era preciso nem ter consciência do que acontecia para sentir. Agora, se ela ainda teve a curiosidade de me olhar de cima a baixo como eu havia feito não dava para saber. Não conseguia esticar tanto o olho assim para saber.
No final de sessão chegou a hora do nosso desfecho feliz. A luz acendeu e iniciei minha firula tão descontraída quanto ela (versão masculina do doce). Guardando meus óculos. Mal percebi quando ela se levantou e foi embora sem olhar para o lado. Me esnobando e querendo me maltratar. Naquele momento percebi como algumas mulheres só não têm língua bifurcada por motivos de camuflagem. E que no escuro do cinema o amor fica mais cego ainda e não me vê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário