Daniel só bebe socialmente. E sempre fica de porre. Não é por menos que seus porres sempre se tornam fofoca e dão todo sentido para a família continuar se reunindo no Natal, mesmo sendo judeus. Quando convidado para um degustação de vinhos ninguém lhe explicou que por motivos obvios não se bebe um copo inteiro de cada vinho que lhe oferecem.
No dia seguinte, Daniel pouco se lembrava do que havia feito. Acordou deitado no tapete branco da sala, que agora parecia um poncho hippie de manchas vermelhas, e com o aparelho de som ligado piscando "NO DISC". A figura refletida no espelho era deplorável. Daniel não fazia a mínima ideia do que bentinho via em Capitu com esses olhos de ressaca. Haveria de ser outro motivo e com certeza não era a inteligência. Quem sabe se fizesse a barba.
De certo passou vexame, de certo alugou o garçom e contou a história da sua vida. Como quando descobriu que sua mulher o traia. Entrou em casa pela janela e a pegou nua na cama discutindo Paulo Coelho com Daniela, a melhor amiga de Daniel. Ele até pensou em se vingar, mas logo desistiu. Não por sua mulher só ter amigos altos e barbados, mas por não suportar ler uma única página de Paulo Coelho.
E de certo, deve ter terminado a noite com um velho ritual de suas madrugadas de porres. Voltou para casa para ouvir Abbey road sozinho na sala. Pulando Something por motivos técnicos, para não dormir já na segunda música, nada pessoal. Porém, o aparelho continuava piscando "NO DISC" e não se via a caixa do cd em lugar algum. Depois de muito procurar Daniel teve certeza, haviam sequestrado seu cd enquanto dormia, como fizeram com seu sofá semanas antes, mesmo com ele dormindo em cima. O sequestrador ligou pedindo cem reais, duzentos se o quisesse lavado. Daniel pagou, não que fosse lá um ótimo sofá, mas o controle remoto da tv estava perdido entre as almofadas. Ser o sequestrador soubesse teria pedido bem mais de resgate. O sofá teve que ser devolvido sujo mesmo.
E agora estava tudo acontecendo novamente. Daniel revisitou o pesadelo. Esperou horas pela ligação do sequestrador, mas só recebeu duas de telemarketing e um pedido de resgate por engano, alguém havia sequestrado o carregador de celular e quando ligava para o dona só dava celular desligado. Até que John, seu amigo, ligou e quando Daniel contou o ocorrido ele estranhou um album dos beatles com esse nome, o último deles havia sido o Let it be. "Pode perguntar para qualquer um". E Daniel perguntou, fez uma pesquisa rápida e todos confirmaram esse fato, mas ele não se conformou, pois sempre sofreu com mania de perseguição, como quando dirigiu a noite inteiro sem direção só para comprovar que a lua o seguia entre as nuvens.
Mas até que o fato veio bem a calhar. Daniel teve um ideia. Se o Abbey road não existia ele poderia gravá-lo e ficar famoso. O melhor disco feito na história, em sua opinião, seria dele. O sonho de todo vagabundo se tornando realidade. Alugou um estúdio no centro do Rio e gravou todas as músicas sozinho. Tirou a foto da capa atravessando o sinal em frente ao McDonalds da rua do ouvidor. E chamou o disco de Rio Branco´s Avenue.
Infelizmente foi um fracasso. A crítica disse que foi a pior coisa já feita desdo trabalho solo do Ringo. Desiludido com a vida, Daniel começou e ler livros baratos de auto ajuda, seus preferidos eram do Paulo Coelho.
Um comentário:
E aí depois ele cortou os pulsos?
Adoro seu blog de curtas.
Já disse, vejo tudo acontecer!
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