Fuga de Dois Rios - Parte 2

Irmão, consegui escapar. Não como Escadinha, que saiu voando, mas subindo degrau por degrau. Fábio surpreendeu com um plano de juntar nossos sonhos. O meu de liberdade e o dele de navegar. Fugimos pela praia de Caixadaço e enfrentamos maré brava até Lopes Mendes. Ele delirava a cada grito de pavor que eu dava. Quase viramos, mas até os golfinhos nos escoltaram até a praia. Maiores que o barco.
Vaguei pelas trilhas destruídas e agora desconhecidas tentando voltar para Abraão. Entretanto acabei por encontrar um grupo de refugiados no meio da mata. Não faço a mínima idéia de que altura da ilha. Todos nativos com os pés calçados de lama. Vivendo com índios em ocas feitas por mãos pouco calejadas para esse trabalho. Fui o único “turista” a conseguir chegar lá e não fui bem recebido.
Todos usavam batas brancas e trabalhavam o dia inteiro pelo alimento de todos. Seguindo ordens de um líder, que pouco tinha de tirano, mas decidia tudo por lá. Quem cuidava das crianças, quem protegia o grupo e quem cuidava dos alimentos. E tudo era feito da forma que ele dizia ser a melhor.
A noite rezavam para orixás. Todos juntos e baixinho. Havia poucos velhos e muitos que pouco conheciam as tradições. A fé servia perfeitamente para o desespero de seus corações e tudo que era buraco de conhecimento era preenchido com crenças recém criadas ali mesmo. Pelo líder. As canções falavam de abandono, fim dos tempos, da nova realidade vivida.
Minha chegada provocou intrigas e dores. Pois no mesmo dia morreu o líder eleito por Oxu. A noite foi de funeral e de danças cerimoniais para a escolha do próximo soberano nas decisões do lugar. Dona Miria, uma senhora simpática, me explicava com calma tudo que estava acontecendo. Minha vinda não era um agouro. A morte do líder era esperada. Pois Oxu é muito brincalhão e tem um senso de justiça irônico. Escolhe para comandar a alteia sempre quem é o próximo a morrer. Assim todos um dia irão escolher o destino dessa gente. E afasta o egoísmo de um líder que acha que vai viver por muito tempo.
Não sei qual foi o sinal dado por Ôxu, mas o próximo a morrer será eu. E todos ali perceberam o que estava para acontecer. Não seria tempos de paz e o fim do terror. Como um recém chegado iria comandar? E logo eu armado de inconformação até os dentes. Iria querer invadir a vila do Abraão e organizar nossa volta ao continente.