quarta-feira, 22 de setembro de 2010

- O senhor tem alguma maldade?
O balconista me olhou de cima a baixo, como quem avalia se vai vender a vodka para um menor de idade ou não.
- Tem sim. Sempre tem. Essa merda nunca acaba. Enlatada, congelada, fatiada, desossada...
E sumiu ele resmungando sozinho para dentro do armazém.
Batuquei um samba ou dois no balcão de madeira, ambos no descompasso desastrosos de quem presta atenção no restante da loja. Bonecas de vodô, balinhas de açúcar, camisinhas comestíveis  e até um pó branco placebo para quem quer largar a cocaína. Vários sabores, várias cores, utilidades duvidáveis.
O velho volta com um pedaço de maldade de dar gosto. Impressionante como se acha fácil esse tipo de coisa.
- Só isso?
- Não, na verdade... Eu sei que vai parecer estranho, mas você teria alguma alegria também.
Ele me fitou por um tempo sem falar nada.
- Estranho nada meu garoto. Se você soubesse dos malucos que aparecem por aqui quase todo dia. Ontem mesmo um advogado chegou aqui pedindo "Tem culpa ai?"... Te tem, de todo tipo, mas o esquisito logo depois quis comprar perdão também.
- Ninguém mais quer trabalhar honestamente hoje em dia não.
- Eu tenho cara de padre pra vender perdão meu filho?
- Não senhor. Deus te livre disso. - respondi sem medo de errar.
- É cada uma... Mas o que você me pediu mesmo? Ah sim... Alegria não tem não, mas tem o genérico se quiser.
- Pode ser sim.
Ele fitou os objetos da mesma forma que eu fizera. Ameaçou pegar a camisinha comestível, mas me entregou mesmo a balinha de açúcar.
Voltei para a trabalho correndo contra a hora do almoço. Entreguei a maldade na sala de chefia como me foi pedido e comi as balas para distrair a fome. Ofereci, mas recusaram como se fosse sorvete de kiwi.

3 comentários:

Unknown disse...

Ah, agora fiquei curiosa, que mais pode ter nessa loja, tira aí mais coisas da cachola. A minha foi desacostumada de criar, só repete.

Grande abraço.

Tan disse...

Chato perceber que a alegria tem seus genéricos tão pouco substanciais...

Marina Marins disse...

Me lembrou a época que eu fazia aula de teatro!
A gente tinha que ir até o balcão e pedir um sentimento qualquer, mostrando a mudança no seu humor após receber o sentimento.. rsrs