quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Vinte e poucos

Não se inovam mais as boas vontades. Não se refrescam mais as intenções de paz e amor. O mundo está apodrecendo diante dos meus olhos, diante dos nossos olhos, e as antiquadas belezas apodrecem junto. Como um fruta suculenta embolorando suculentamente. Essa visão me mistura uma vontade de chorar com uma forte ânsia. Meu estômago embrulha e minha vista arde. Ás vezes sinto vontade de vomitar de tristeza. É isso mesmo, ás vezes me flagro com vontade de vomitar lágrimas. Pois é certo...
Tudo está apodrecendo
...
Eu estou apodrecendo
                                   aqui sentado nesse banco de ônibus refrigerado depois de UM dia de trabalho. Me agasalho de forma não exagerada e mesmo assim passo frio. A forma não exagerada que me visto não significa nada perto da meu rosto chumbado. O meu rosto chumbado tem a feição é de um derrotado, condenado a ir junto com esse mundo. Estou apodrecendo. E só sinto vontade de sentar e esperar a morte chegar. E ela vai chegar, disso sempre tive certeza. Ela vai chegar e vai me encher de atenção. Ela fará todos perceberem tudo que eu já não tinha feito e me amarem ainda mais sem o risco de novas decepções.
A morte vem logo, me acena na contra-mão. 
Espero que pelo menos dê tempo de a ver chegar.
Quando criança, entre a cama e uma canja corria para o espelho do banheiro esperando ver um rosto de um morto. Eu queria ver o meu rosto morto. Apodrecendo. E vomitar tudo. Pois eu sabia que a morte um dia iria chegar e me encher de razão. Todas as lágrimas. Todos os arrependimentos das mágoas que me fizeram. Toda a inveja disfarçada de vontade de ter ido antes. Seriam comoventes de ver. O mais justo para todos nós que vivemos uma vida seria receber um convite para assistir a tudo isso de camarote.
            Coloco a mão sobre a testa e não sinto calor algum, nem o humano. Não tenho nenhum sintoma além dessa dor por todo o corpo. Não há dúvida que sou um doente. Um doente qualquer. Sentir o corpo doer é sintoma de qualquer coisa. Estou apodrecendo e desejo chegar a mais rápido possível a um espelho.
Mas e se eu não sobreviver até lá?
E se eu morrer sentado nessa banco com a cabeça apoiada na janela como quem dorme? Só saberei que estou morto quando chegar ao ponto final da linha. Todos que descerem antes, morrerem antes, não saberão de nada, não darão atenção a minha razão de não querer apodrecer. E nesse bolor todo há de nascer algo novo. Uma saúde cheia de anticorpos novos. Rápida demais, sem nem mesmo ter tido tempo para nomear minha doença.
"Vinte e poucos anos" duram uma década.

Um comentário:

Luanne Araujo disse...

é a idade onde os morangos mofam...