Primeiro foi minha cabeça. Um portão enferrujado cansado de minhas fortes investidas em abri-lo lançou se contra mim. Abriu minha cabeça, me desnorteou por um tempo e me fez pensar assim que minha mão voltou suja de sangue depois de passar os dedos no cabelo “Mas que merda! Eu to sangrando... As pessoas morrem por isso.”
Mas seria mentira minha dizer que tudo começou por ai. Antes descendo da caixa d’água para acima da geladeira que fica no meio da sala (mas que diabos de lugar é esse?). Arrastei o pé num parafuso preso na parede. Doeu, porém mordi a língua para não falar nada. Era coisa comum, coisa do dia a dia. Como se cortar com faca enquanto pica a cebola. Certo?
Errado! Pois no dia seguinte me cortei com o canivete enquanto talhava um pedaço do coqueiro para presentear a guria que dormia na rede. (Não faça perguntas se não quer ouvir mentiras). A faca entrou fundo, me fez pular da cadeira. Não quis ver a merda que tinha feito e logo tratei de fazer pressão para estancar... Cinco minutos e nada de parar de sangrar... Dez... Meia hora... “Agora fudeu, estou ferido... As pessoas morrem por isso! Preciso levar ponto, não tem curativo por aqui... Diga a minha família que os amei muito”. Depois de algum gelo, o fluxo diminuiu e tratei logo de enrolar com papel higiênico e fita crepe (que prendia o baralho de se soltar). Minha enfermeira improvisada quis que quis ver a profundidade do corte. Tive que impedir. “Prefiro não saber o sexo da criança doutora... Me faz ter mais esperança no futuro”.
Por um dia passei com o dedo enfaixado, galo na cabeça e pé furado. Até a hora do banho. Era preciso lamber as feridas. Tirar os curativos e amputar o que fosse necessário. Eu torcia para que fosse a cabeça. Dos três, o que mais me atrapalha de viver.
Quando entrei no banheiro não sei por que cargas d’água eu tirei primeiro a roupa para depois tirar o curativo. A coisa era feia. Havia três tons de bege saindo dele, uma abertura estranha. E mesmo assim tive a sensação que havia algo errado. Precisava mesmo ir ao posto, um curativo descente. Precisava de ar para respirar, aquele dedo me encarando me deixou tonto. Precisa de um plano, precisava tomar uma decisão, precisava levantar do chão e abrir a porta para quem batia... Levantar?... Como que cheguei aqui no chão?... “To abrindo calma... Não aconteceu nada, foi só meu dedo tava olhando pra ele e...”
BANG! Outro galo... Dei de cabeça na pia, pelado e com espectador. Acordei desnorteado andando nu entre todos até a rede do lado de fora. Uma toalha na cintura caiu bem. Até o momento que um chamado da natureza me levou de volta ao banheiro. E depois de volta a rede.
“Onde está aquela cerveja com sabor de maracujá que eu tava tomando?”
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