sábado, 1 de maio de 2010

Cecílio Borges precisa morrer

Estava morto de fome, esperando o chefe do escritório morrer para que eu pudesse dar uma pausa para o almoço. Quando alguém me cutucou as costas.
- Olá!
Os vivos adoram esbarrar em mim.
Disfarcei que não era comigo e dei as costas para aquele desavisado do risco de morte.
- Sou Cecílio Borges. Prazer.
Ele estendeu a mão.
Ele perdeu o amor pela vida.
Virei.
- Cecílio Borges?
- Sim, eu mesmo. E a senhora?
- Mas aquele não é o Cecílio Borges?
Apontei para o careca engravatado dentro do aquário de vidro, que eu vijiava já a 23 minutos.
- Não, não. Sou eu.
Olhei em volta desconfiado. Mas ninguém parecia notar a presença dele ali. Conversando comigo.
- Você trabalha aqui?
- Não, não. Eles não ligam quando eu entro aqui. Tão pouco se fudendo até para o companheiro de trabalho que senta ao lado.
Esse bando de merda mesquinhos.
- Eu devo ter lido alguma coisa errada. Perai.
Busquei minha lista.
- CE-CÍ-LI-O-BOR-GES.
Ele tapou minha leitura com sua carteira de identidade. Peguei para coferir. E ali estava o mesmo nome. Mas não me deixei enganar. Devia ser um daqueles suicidas preguiçosos que nem ir até um janela para se jogar tomam uma atitude.
- Falsificar uma ID é fácil. Quero ver um greencard. É mais fácil morrer do que entrar no USA.
- O quê?
- Data de nascimento?
- Hã?
Segurei a carteira como se fosse um par de ases. Sem deixar ele ver.
- Vinte quatro de setembro de mil novecentos e setenta quatro.
- Nome da pai?
- Elimar Correira Borges.
- Cor da camisa na foto?
- Verde.
Que insistente.
- Você quer mesmo morrer não?
- Mais do que tudo na vida.
Hâ? Isso está pior do que assistir um peixe tentando se afogar.
- No registro você está como careca.
-Deve estar desatualizado. Fiz um implante ano passado. Última tecnologia. Pode ver.
Ele me mostra seu couro cabeludo. Bem cabeludo e enraizado.
- Melhor a gente sentar.
Nos sentamos numa mesa vazia. Ele fingiu trabalhar no computador para melhor disfarçar a exquizofrenia.
- Olha só. Vamos ser francos. Por que você simplismente não dá um tiro na cabeça?
- Mas isso seria exagero demais. Eu não preciso morrer, apenas quero morrer... Não precisa chegar a tanto...
E então vem torrar a minha paicência? O que eu tenho com isso/
- E por que quer morrer?
- Ah! O de sempre. O mundo podre...
...As pessoas podres...
... A falta de sentido na existência...
... A abstinência sexual involuntária...
... Vozes na minha cabeça...
- Quer parar de paciência e falar sério?!
- Quer jogar comigo?
- Lógico que não! Joguinho de retardado!
- Desculpa... Eu só pensei que gostasse de jogar.
Não! Assim como a Penelope Cruz não é tão gostosa assim como nos filmes.
Respira.
- Cara. Pouco me importa quem eu vou levar. Eu te mataria com todo prazer e alívio. Mas preto contas com o patrão. Se você não conseguiu nme me enganar como vai enganar ele?
- Mas eu sou o Cecílio!
- Não é não.
- Como você sabe?
- Aquele ali é o Cecílio.
- A história do implante é verdadeira.
Respira.
- Esquece. Eu vou atrás do careca.
Me levantei.
- Pode ir! Não preciso de você. Tenho inimigos perigosos!
- Ahã!
- Hoje mesmo usei uma nota de cinquenta para pagar o ônibus.
UUUUUuuuuuuuu...
Não dei ouvidos e voltei ao trabalho. E finalmente fui almoçar.
Mas infelizmente tive uma chamada urgente ante de acabar meu Mc Lanche Feliz. Peguei o brinquedinho e corri até o local da morte. Onde um homem tinha sido morto por um cobrador de ônibus.
O maldito estava certo.
O falso Cecílio Borges teve todos os ossos quebrados a ponto de conseguir passar pela roleta sem pagar passagem.
- Não falei? - ele me sorriu.
- Você já conseguiu estragar mee almoço. Vamos logo e cala a boca.
- Vamos aonde? Purgatório? Limbo?
- Olha só... Eu por acaso tenho cara de Chico Xavier?
- Não...
- Então cala a boca porque eu não falo com morto.

2 comentários:

Juan Moravagine Carneiro disse...

Meu caro não importa o olhar que tenhamos para com seus textos (literário, diálogos. etc)...são de muita qualidade!

Abraço

Luanne Araujo disse...

bom, tédio e ironia, vc os usa bastante. e usa bem.

"Os vivos adoram esbarrar em mim." em mim tbm, tão irritantes...