quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Exceto essa noite

((Todas as noites meu estômago dói de fome)).
Durante as duas horas e meia que o ônibus demora até em casa.
Todas as noites meu estômago me queima coma guimba do cigarro que fuma.
Por mais que explique que não tenho culpa.
Por mais que pese para que suma.
Todas a noites eu leio trinta páginas de um livro planejado para durar pelo menos uma semana. Durmo por trinta minutos assim que chego em Laranjeiras para não ver o trânsito até a ponte. E no resto do caminho ouço música, ás vezes deixando simplesmente tocar, ás vezes escolhendo a dedo uma a uma sem nenhum critério. ((Mas ainda assim sinto a fome doer)). Sinto os minutos pesarem,
sinto os quilômetros se arrastarem,
sinto a vida gemer,
sinto as costas reclamarem.
Pois simplesmente não há como achar a posicão certa. E eu me esforço. Troco todo fim de semana metade das músicas do meu aparelho, viro devorador de livros do jornaleiro, já me acostumei a usar o braço dormente de travesseiro. Todas as noites, eu me esforço. E eu leio.
Eu leio os clássicos despreocupados em se tornarem meus clássicos. Allen Ginsberg, Kafka, Bokowski, nenhum deles precisa de mim, eu que preciso deles, que durem página por página. ((Mas a fome não passa)).
Todas as noites eu ouço. Ouso o novo disco da cena cool, ouço a velha reclamação de lotação, ouço o motor  valente superando cada quarteirão, cada esquina, ((Mas a fome não passa)). E vezes ou outra entra alguém levando uma pizza para casa, enche o ônibus com o cheiro que não me deixa dormir, desce bem antes de mim e nem me oferece uma parte.
Todas as noites eu durmo. Durmo sem dificuldade. Acordo bairros depois como se não tivesse passado um minuto. Sem música que perturba, apenas o valente berrando um absurdo. ((Mas a fome não passa)).


Todas as noites meu estômago dói de fome.

Exceto essa noite em que voltei enjoado, 
meu coração é que doía. 

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