quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Miséria com sintomas de embriaguez

Só tenho tempo de contar as ruas que passam. São inúmeras esquinas cheias de vagabundos e vadias tomando o ar da madrugada. Depois de terem um dia inteiro no exílio ocupam todos os espaços das ruas. Imagino que na luz do dia são as crianças e suas babás que vão e vem dos colégios e creches por aquelas mesmas esquinas. Mas você sabe como é. As crianças crescem, as babás empobrecem e nunca deixam de ficar por ali. Vagabundos e vadias por todas as esquinas.
Eu apenas passo longe delas dentro de um carro. Todas estão ocupadas. Sem espaço para estacionar. Não adianta nem procurar. Não há esquina para um Zé ninguém como eu. Sou novo na cidade, quanto mais no bairro de Copacabana. Minha esquina herdada ficou para trás e não tenho como comprar uma nova por aqui. Muito menos voltar para a antiga. Ela já deve estar ocupada por um viciado qualquer expulso de casa e novo na cidade. Sem fornecedor e sem salvação. Esses coitados que fogem da antiga vida, como eu, criam uma rotatividade na terra. Esse é o rodízio do lixo. Involuntário. Nós apenas vamos. Quase sinto como se um caminhão de garis houvesse me recolhido numa madrugada de segunda-feira e me largado no aterro do Flamengo.
Não escolhi aceitar um emprego melhor que o antigo. Não escolhi me sentir melhor em outra cidade do que perto da casa dos meus pais. Não escolhi deixar minha esquina. Ela que ficou uma merda com o tempo. Bem diferente das vezes em que ia e vinha da escola. Ainda bem garoto ela já representava um lugar sem regras. Um lugar onde eu não era filho, não era aluno, não era cliente, não era jovem demais para pensar em trepar, burlar, matar, desrespeitar. Eu tinha certeza que poderia fazer algo que não fosse ir para a faculdade, me formar e trabalhar. Pregava a mim mesmo que era possível haver outra maneira. E isso já foi a tanto tempo.
Deixei minha própria esquina e nem isso fiz direito. Quebrei tantas promessas pela necessidade de viver minha própria vida e nem me sustentar direito consigo. Se pelo menos tivesse dinheiro pra comer alguma dessas putas, se pelo menos tivesse dinheiro para comprar drogas caras nas horas vagas. Mas não tenho economias nem para ter um carro. Se bem que prefiro o banco do carona. Aproveito bem mais a vista dessas esquinas de Copacabana. Entretanto, isso não muda o fato de que não poderia nem encher o tanque se quisesse.
E quem não tem dinheiro não faz amigos. Não come nenhuma mulher. Não que o motorista fosse um total desconhecido. Zé é gente boa. Zé é Zé ninguém como eu. Faxineiro da empresa em que trabalho. O único lá com quem consigo conversar sem perder minha concentração pensando em uma desculpa para me calar. Conversávamos sobre como é uma merda ter que fumar um cigarro mais barato do que o preferido para conseguir fumar todos os dias, como repetir a cueca é desconfortável e de como aquelas mulheres de salto alto nos ignoram por se acharem a mulher mais gostosa de mundo com toda razão. Logo ele me ofereceu carona para casa, e logo as caronas de sexta-feira começaram a passar antes por um bar. Tomamos só umas duas cervejas, como que tomaríamos estando acompanhados ou não, e partimos. Até porque não posso pagar mais do que isso. Se eu tivesse dinheiro para além do aluguel poderia pagar por mais cervejas. Ou quem sabe por uma transa com essas putas, um baseado para a noite, até um amigo para o banco de trás. Alguém para se juntar a gangue e quem sabe oficializar os bares de sexta. Não que Zé fosse de falar demais. Mas andar por aí a esmo em dois demanda concentração demais, uma terceira pessoa me daria oportunidades para me ausentar por alguns minutos e apenas observar as esquinas.
Foram 23 até agora, algumas repetidas entre o Leme e a Constante Ramos. Onde o número de vadias diminui, assim como o amor que elas jogam para os carros. Decidi então descer na praia e ir o resto do caminho a pé. Não é sexta-feira nem nada. Mas precisava ver gente diferente. Não uma vagabunda ou um executivo. Me despedi do Zé e caminhei sozinho fumando. A praia estava completamente vazia. Encontrei durante todo o caminho apenas uma viatura acesa e os dois canas batendo papo do lado de fora.
Boa noite, eu arrisquei. Responderam com um aceno de cabeça. Não sei porque mas não me dei por satisfeito e fiz uma pergunta qualquer. A conversa fluiu rapidamente. Eles logo se mostraram muito interessados em mim, perguntaram onde eu morava e o que fazia ali. Depois me revistaram e me desejaram uma volta segura pra casa. Fui dispensado sem nem ter tido tempo de perguntar sobre o noticiário. Só já duas quadras depois percebi que eles me roubaram o isqueiro. Sem chances de voltar ou para de fumar. Tive que me arriscar por um fogo e a única alma viva que vi na frente. Uma daquelas putas. Só que daquela bem jeitosinha. Uma perfeita puta. Tem fogo? perguntei sem cerimônia, pois queria evitar uma resposta nojenta como "Qual fogo você quer?". Mas ela apenas sorriu e ofereceu um cigarro dos delas. Três vezes mais caro que a merda que eu tinha nos lábios. E o isqueiro. Se mostrou interessada em conversar. Perguntou onde eu morava e o que fazia ali. Não tinha cacetete nem nada. Eu verifiquei. Mas, respondi logo que não tinha dinheiro. E eu sei meu bem, só um homem duro pra fazer essa cara de mal humorado perto de uma puta. Resolvi lhe convidar para conhecer meu apartamento e ver o quanto duro eu realmente estava. Ela me beijou o rosto e caminhamos juntos pelas esquinas até em casa.
Antes de transarmos ainda tomamos um café, fumamos um de seus baseados e conversamos um bocado. Talvez o problema do Zé fosse exatamente aquela cara de gorila. Com aquele rostinho delicado poderia conversar  a noite inteira. Mas os planos mudaram no momento em que nossos braços se rosaram e alguma coisa bateu forte. Transamos o resto da noite e quando acordei ela já tinha ido embora. Sem roubar nada.
Essa amostra grátis do que um homem que não sabe amar pode comprar, me fez chegar ao trabalho no dia seguinte com outra atitude. Precisava de uma promoção urgente.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito legal. Adorei. Parabéns!
Abração