terça-feira, 21 de dezembro de 2010

o ódio

O poema que você ainda não leu está agora destruído. Amassado e guardado na mesma gaveta. Rasgado, mas não partido. Morto, mas não desfigurado. Agora ele carrega aquele cheiro das noites mal dormidas, quentes de suor alcoólico. O aroma se assemelha a urina, se assemelha a um território marcado pelos animais que fomos.
Porém, antes de odiá-lo, ele ainda mantinha o cheiro do dia em que o escrevi. Quente como a febre, fraco como minha vida. Você lembra como eu estava mal? E como achei que podia morrer naquele dia?
Eu ainda posso morrer! Sem ser compreendido. Sem ter vivido sem medos. Rápido assim. De um dia para o outro. Todos iguais. Mas justo hoje (inexplicavelmente hoje) eu passei a odiar esse dia. Passei a procurar na palma de mão alguma explicação, na presença de alma alguma calma, na presença do amor alguma dor. E viver o amanhã passou a ser um desperdício.
Hoje é uma segunda-feria, hoje faz 37 graus, hoje é dia de serviço e não aceito que felicidade seja em vão. Vem dizer pra mim que tudo está em paz, que a cor já não importa mais e que poema nenhum precise ser melhorado.
As pessoas na rua merecem cada uma infelicidade, cada imperfeição física. Merecem ser feios pelo que transborda em seus poros. Cada vidraça merece os cacos, cada carne merece seu corte, cada lei merece sua descrença, cada rei merece sua sentença. E quando tudo parece desgraça cada quilómetro merece sua saudade, cada dependência merece sua carência e cada amor merece seus defeitos.

2 comentários:

Lua Nova disse...

Podemos amassar o papel onde foi escrito o poema, mas o sentimento que o inspirou continua em nós.
A sensibilidade é um dom que nos faz perceber a vida sob uma luz especial, com mais intensidade, beleza e esperança. Mas também pode abater-nos e angustiar nossa alma quando enxergamos entre as sombras de cada dia.
Luka, boas festas e um ano de 2011 feito sob medida pra vc.
Beijokas.

Unknown disse...

Belíssimo, menino!

Grande abraço.