John tocou a campainha. E ela atendeu.
"João Alberto?"
Mas antes ele tocou a campainha. Apenas uma vez, por receio de estar fazendo algo errado, e esperou parado, por medo de estar querendo certo. E então ela atendeu.
"Como você passou pelo porteiro?" Ele não respondeu. Apenas havia acenado e continuado com passos firmes até o elevador. Como qualquer morador. Ninguém o questionou. Ninguém se arriscou a questionar. E ele não se arriscou a lhe contar como havia conseguido chegar perto de manço, apenas desviou o olhar e sorriu. Isso era tão sua cara, tão típico, tão infantil.
E nem sei bem se ela pensou isso mesmo ou se ao menos entendeu entendeu o gesto. Pois logo o pôs para entrar. Sem dizer uma palavra. Apenas abriu a porta um pouco mais e tirou o corpo do caminho. Ninguém entendeu o porque não o pôs para correr, eu sei bem que antes talvez quisesse realizar algumas vontades que persistiam nela sobre ele.
"Eu vim aqui porque aconteceu algo na minha vida recentemente que me botou para pensar...
Ele bateu a ponta do dedo indicador várias vezes na testa.
"E eu quero lhe dizer algo"
As vontades dela não eram carinhosas.
" Eu vou me casar mês que vem"
A panela de pressão apitou. Fumaça quente sobre o azulejo da cozinha. Na sala os sofás pareciam nem ligar. O tapete ainda mantinham os pés dela firmes sobre ele.
"É... e bem... Queria te ver... Sabe... Pedir desculpas. Você sabe"
"João?"
"John"
"João Alberto"
Ela solta uma expiração
"..."
de cansaço.
"Como assim você vai se casar?"
O nome dela é Camille. Com dois elês. E se John explicasse quem era Camille ele diria que Camille é assim dessas mulheres com nome de mulher apaixonante. Olhos de garota leve que vai entrando na vida de mansinho. Corpo daqueles que vem com força para conquistar lugar. E tem o sobrenome de Bittencourt. Pois bem a vida é um domingo a tarde ao lado dela.
"Com a Camille"
"Camille?!"
"É"
"Aquela sua amiguinha irritante?"
"Não. Aquela que fazia o curso de gastronomia com você"
A panela parecia que iria explodir. Ela mesmo pediu licença e foi desligar o fogo. Relatos di que aconteceu naquele intervalo em que ela entrou na cozinha e voltou com outra resposta na ponta da linguá, foram perdidos pra sempre.
"Eu odiava aquele curso"
Mas fez até o fim pra não dar o braço a torcer. Ele dizia que ela enlouquecia quando não tinha nada pra fazer e entreva nesses cursos caros achando que que cursos caros mudam a vida de alguém. Ela dizia que ele só dizia isso porque fora uma criança sem graça que já sabia o que queria ser aos cinco anos de idade e teve uma adolescência mais sem graça ainda que nem se questionou se queria outra coisa.
"Onde se conheceram?"
"Naquele jantar que ela deu no final do ano"
Ela levou o olhar ao teto.
"Ela adorava aquele curso"
Camille aos vinte a três anos largou tudo. Mudou de cidade. Mudou de vida. Mudou de profissão. Deixou de ser dentista e escolheu o único curso em que lhe interessava gastar as economias. Gastronomia. E hoje já trabalha como cozinheira.
"Olha o que aconteceu não foi nada querendo te magoar. Não foi nada mesmo pessoal. Eu agia de forma muito injusta com as mulheres. Aprofundava relações sem estar realmente apaixonado. Acho que não sabia o que era isso. Devo desculpas a todas elas.
"Sai daqui João"
"Você não vai nem ouvir o que eu tenho para dizer?"
Ela ajeitou a blusa vermelha que combinava com a parede rosa de sua sala pela alça. Soltou o controle remoto que segurava com a mão direita sobre a mesa derrubando incensário e aqueles bonequinhos de decoração que John nunca podia encostar, quanto menos brincar. A televisão passava o filme que ela só tinha conseguido ver metade antes de dormir na noite anterior. Cruzou os braços. E bateu a perninha. Um, duas, quatro vezes. Seu rosto não mudava.
"Eu lamento pelas coisas que fiz". Ele lamentava pela falta de compromisso com os sentimentos dela, pela invasão que havia feito em sua vida provocadora de erosões impreenchiveis. Pela falta de maturidade. Não entendia o amor, não entendia o que era ter carinho por alguém. "Nunca quis te magoar". Naquele tempo em que se conheceram, ele realmente havia pensado que achara uma pessoa para ficar junto, ele com certeza havia encontrado alguém que o estimulava, alguém que trazia um novo mundo ao seu. Seus olhos se esbugalharam, seu apetite cresceu, suas mãos não paravam. Ele de fato se apaixonou, se apaixonou por aqueles momentos, se apaixonou pelo o que se transformou, se apaixonou nela por o que mudou nele, se apaixonou pela vida. "Hoje eu vejo os meus erros". Agora ele ama. Ama muito uma mulher. Ama Camille "Sinto muito. Espero de verdade que seja feliz".
Bateu, uma, duas, quatro vezes.
"Sai daqui João".
E disse assim mesmo, com ponto final por extenso, com um leve sotaque de gaúcha. Ele esperou mais um pouco por alguma palavra. As dele não pareciam não vir nenhuma mais. Dela só o olhar tagarelava. A boca nada.
Só restou sair. Só restou mais duas na lista.
Um comentário:
Receita explosiva: mulher apaixonada e homem nem tanto, nessa panela de pressão que é a vida.
Adorei o texto, esperava outra coisa qualquer e aí veio esse.
Muito legal.
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