domingo, 29 de janeiro de 2012

Freezer

Dois pedaços de carne conversam na cama. Isso mesmo. Uma nojeira. Mas a cama já estava suja mesmo. Sangue, porra. É tudo fluído corporal, tão quão o suor. E esses dois pedaços de mau caminho já nem sangram mais, o lençol branco já apresenta manchas encardidas amarronzadas. Há muito que foi feito o corte. Há muito o sexo não é mais o mesmo. Já não sangram como antes, já fazem tudo em forma de reprodução automática. Cresce inconformado, morre fatiado. Assim como o poeta diria. "Nasce pra ser feliz e morre triste. Oh que vida!" Estagnados, desprotegidos num motel de quinta. Carne de segunda.

- Já percebeu que nos colocam sempre no mesmo quarto?
- É claro que colocam no mesmo quarto. Eu sempre peço pra colocarem no mesmo quarto!
- Você que pediu?
- Nunca percebeu isso? Só hoje viu que é o mesmo quarto?
- Por causa do quadro. Ele me pareceu tão familiar.
- Pro inferno o quadro. Eu gastando meu romantismo com você.
Ela não se abalou.
- É bom continuar gastando se quiser que eu continue dando.
Ele ignorou.
- ...  Foi por causa desse quadro que quis voltar pela primeira vez.
- Por causa dele?
- Ele não parece dois rostos, um de frente para o outro?
- Parece...
- E eles apenas se olham, mas se desejam tanto que dá pra sentir o tesão daqui.
- Eles nem tem olhos.
- Eu sei que essa merda é um motel e tá tudo condicionado. Mas eles se amam. Tenho certeza.
- Eu pensei que eles só queriam se comer.
- E querem. Não perceberam ainda o que está acontecendo. Mas estão apaixonados.
Ele faz uma pausa dramática.
- E foi assim que eu percebi. Olhando para esse quadro naquela noite.
- Você ficou olhando para um quadro na primeira vez que veio a um motel comigo? Tava divertido assim?
- Foi um momento mágico. Não começa não. Nós entramos aqui já tirando a roupa, pulando na cama. E enquanto você me chupava eu olhei o quadro.
- Enquanto eu te chupava?!
- Não o tempo inteiro.
- Hã?
- Foi uma olhada bem rápido.
- Sei.
- E já quase amanhecendo. Eu fumava um cigarro enquanto você dormia e notei o quadro novamente. E vi ele totalmente diferente. Dessa vez o cara tava com cara de estar totalmente apaixonado pela mulher. Entende? E eu sabia que estava porque reconheci o olhar dele. Era igual ao meu olhar no espelho do teto. Eu era ele. Ele era eu. Ou seja. Eu estava apaixonado por você. Entende?
- Ah!!! Nunca para de gastar seu romantismo, não?
- Nunca.

E logo que voltaram a se apertar e rolar pela cama o lençol voltou a ficar viscoso. A cena é suculenta. Eles se lambem. Por cima, de quadro, de lado. Algumas pequenas improvisações são permitidas. Ele esperando a hora em que pode terminar. Ela segurando o melhor desejo que pode imaginar. Que arte. Que mão de obra para se sentir algo.
E seguindo o roteiro, alguém goza e tudo acaba. Uma loteria.
Se desgrudam, se põem a secar. E acabou o tempo das pequenas improvisações.

- Não acredito que você nunca reconheceu o quarto!

Um comentário:

Unknown disse...

Triste, triste. O tempo é triste. Mas a vida, apesar do tempo, pode ser alegre.

Beijos,
Neusa