domingo, 13 de maio de 2012

Urca

Camilla me contou o sonho que teve com você. O terceiro nessa mesma semana. E como em todos os outros esse começou em casa, na cozinha, tomando um café e comendo uma larica qualquer. Como sempre fazíamos antes das tardes entrarem no laranja depressivo. Comíamos. E apesar de entre nós ser a mais calada, Camilla conta que nos sonhos você não parava. Contava as novidades, contava os pedaços de bolo que comia, contava os dias longe. Cinco, dez, catorze. Como quem explode de saudade, você tagarelava sobre como é não mais estar aqui. E você sabe como é. Sonho é sonho. Camilla pouco se lembra dos detalhes. De cada palavra. E eu me sinto injustiçado.
Até hoje você nunca veio me visitar. Nem uma única noite. Não fico aborrecido. Espero só que não tenha se esquecido. Me esquecido. Que eu mesmo já não lembro o que sonhei ontem, não lembro da última coisa que te disse. Foi sincera? Foi triste? O que não sai da cabeça é o que te diria agora. De alguma forma. Diria que o que mais dói é não ter mais a chance de finalmente te fazer feliz. Mesmo que seja em sonho. Mesmo que não diga. Te diria. E de inúmeras maldades qual me responderia? O silêncio sem um rosto, sim, é uma covardia. Não te vejo a ponto de esquecer seu rosto. Se não encontro teu olhar nem em foto. Nunca mais vi a cor dos seus olhos. Inúmeros instantâneos e você não olhava, você ignorava qualquer perpetuação do momento.
Camilla passa aqui vez ou outra. Somente quando arranja uma desculpa que julgue ser razoável. Acho que sem você aqui se sente desconfortável. Soube que se mudou do antigo apartamento, foi morar sozinha  na urca, como sempre desejou. Fui contra por egoísmo. Não queria me desfazer de suas coisas, do seu quarto. Foi tudo empacotado para a casa de sua mãe.
A minha manda lembraças. Ela até chorou quando ouvi a notícia, escondida, mas eu vi. E quem não teve esse lamento? Mesmo que por um momento. Pois, no dia seguinte o mundo voltou a rodar. Os juros voltaram a acumular. O preço do cigarro você não iria acreditar. O dia em que você se foi já anoiteceu. E a essas horas o vício começa a apertar. Seu cheiro na sala. Seu espaço do sofá. Na penumbra fica difícil de enxergar até o que mudou. Se tudo está no mesmo lugar. No teto ainda plana seu último sonho. No mesmo lugar.
Fica aqui o convite para me acompanhar até dar a hora de ir trabalhar. Que já não me aguento mais cansado depois de acordar.


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