quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A primeira vez que fora assaltado tinha 16 anos, Marcos ia a pé para o colégio e fora abordado na entrada de uma pequena favela por um flamenguista de bicicleta com a mão por dentro da camisa. E dez anos depois estava ele no ponto mais escuro da avenida presidente vargas esperando o ônibus pra Niterói. Nada mais aconteceu desde então. Na adolescência fora aprendendo a dividir baseados com estranhos na rua, contabilizou que por mês se vai um maço de cigarro pedido por mendigos e tomou gosto por conversar com figuras que no fundo faziam seu sangue burguês gelar. Passou um ônibus na faixa mais distante alheio ao seu pedido para que pare. Com esses malucos você precisar pular na frente comentou uma dessas figuras sentada sozinha no banco do ponto. É foda, mas logo passa outro. Vai pagar com dinheiro? posso passar meu cartão e tu me paga? Mal, vou passar cartão também. Bele.
Tem hora? Marcos vê no celular e anuncia que já é amanhã. Meia noite e dez. Valeu.
Uma vez atravessava uma praça perto da faculdade e um garoto bem mais jovem o segurou pelo braço. Disse que tinha uma faca e tal. Mas rolou aquela dúvida. Marcos não queria ser assaltado por um muleque sem faca. Ficou calado e esperou pra ver. O garoto sem entender não reagiu. Um desconforto típico de elevador se instaurou entre os dois. Marcos puxou o braço de volta e continuou andando. Vou te pegar! gritou o pivete já numa distancia segura.
Após cinco minutos de silêncio a figura levantou do banco, se aproximou e se apresentou. Não faz barulho, não faz nada, eu to armado aqui, quero só o celular e dinheiro. Sério mesmo? Não faz nada. Eu só devo ter uns dois reais. Marcos abriu a carteira e tirou a solitária nota. E o celular? Posso tirar o chip? Isso você bloqueia depois. Tá certo. Marcos entregou a celular, mas não sem antes automaticamente verificar se havia mensagem nova. Olha não, não faz barulho, não faz... Tá bom, tá bom, vai ficar buzinando no meu ouvido? Vaza porra. O entranho enfureceu os olhos, mas mesmo assim se foi. Valeu por tudo mesmo. Marcos ainda mandou antes de voltar sua atenção para os ônibus. Decepcionado com a vida. Com mais pressa ainda de chegar em casa.
Quando pela suas costas piscou uma luz vermelha. Sirene de viatura. Ele se encolheu como se uma bomba tivesse explodido e correu pra debaixo do ponto. Reflexo adquirido também na adolescência. E não só ele. Seu assaltante também se encheu de adrenalina e correu pra atravessar avenida. Nem viu que corria de uma banal ambulância e acertou em cheio a para-brisa de um ônibus pra Niterói que veio correndo na mesma faixa mais distante. Nem adiantou fazer sinal ou pular na frente. Ele não parou de qualquer forma.
Nos seus 16 tão pouco tinha muito dinheiro, o flamenguista levou quinze reais e ainda queria o walkman. Marcos chorou pelo presente novo, uma, duas, três vezes. É melhor passar logo, se a policia passa aqui você roda. Mas Marcos não se mexeu e amedrontado com sua própria ameaça dos canas o flamenguista tomou o aparelho a força, pedalou e foi embora.
Marcos foi até o corpo imóvel no asfalto e olhou fundo nos olhos revirados. Mais mais longe e pegou seu celular também despedaçado. É seu? perguntou o motorista do ônibus. Ele acabou de me assaltar. O motorista soltou um sorriso de alivio.
Nunca mais tivera outro walkman, ganhou na semana seguinte um celular que já tocava mp3 na época. Não soube se a família do assaltante foi encontrada, se alguém lamentou por ele ou se fora pra qualquer vala. Mas o motorista de tão aliviado ofereceu um celular novo de última geração para Marcos. Direto de um esquema que ele vendia. Assim terminou a noite voltando no mesmo ônibus pra casa. Onde só tinha praticamente ele, ainda decepcionado, e o motorista aliviado, deixando o morto pra trás.

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