quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

E de repente me bate uma felicidade. Derreto na cadeira, sentindo meu corpo inteiro relaxando dentro do ônibus em direção a Niterói às quatro da manha. Fecho os olhos e não resisto a vontade de sorrir. Faz parte do efeito do ácido. Me entrego. Já não há como esconder meu estado e não ligo. Camisa, cabelo e e olhos amassados, cheirando a suor seco. Gargalho por dentro da preocupação de que alguém ali está ligando pra isso. Quem se importa? Sentada na janela ao lado está uma morena jovem com feições nordestinas. Subiu na rodoviária carregada. Batendo pelas paredes. Espera ai, passa por cima, cuidado com a tela de brincos. Ela grita para alguém que entrou por trás que vai sentar pela frente mesmo. E fica ali. Em pé no corredor está um grupo bem perfumado, calça jeans, camisa por dentro da calça, entram no último ponto antes da ponte já falando alto e trocando piadas internas do trabalho. Algo relacionado com eletricidade, caixa de força e pega no meu cabo de 25mm. O ônibus está lotado. O motorista aumenta o ar condicionado e eu me entrego ainda mais ao gozo do momento, um prazer de burguês do qual meu acesso atualmente é zero. E o calor de janeiro está de matar. Esparramo um pouco mais, olho pro teto e sinto os músculos do pescoço ainda duros, ainda em plena adrenalina. A metade do quadrado me mantém acordado embora cansado. Cansado e feliz. E então que percebo. É por estar aqui. Nesse desrespeitoso transporte público. Dividindo o ar com todos. Condicionado a sentir cada cheiro, analisar cada rosto, imaginar o que cada um fará quando chegar lá, pois estamos todos indo para o mesmo lugar e isso me tira completamente o medo do futuro. Aquele ônibus é o meu lugar. Passando por prédios caindo aos pedaços. Áreas de vagabundos viciados. Ruas pacificamente vazias. Segurança sem vigia. Essa cidade realmente é linda. E enquanto eu estiver nela é aqui que sempre vou acabar me encontrando. No prazer desgastante de entorpecentes e madrugadas baratas. A nordestina adormece na metade da ponte com a cabeça apoiada na janela. Acho que o leve treme do asfalto liso deve ser um embalador pra quem viaja muito. E ela tem a pele tingida de sol, roupas gastas na insistência e os pés livres. Tem o sono dos justos. Eu tenho no mínimo mais três horas de efeito. E sinto vontade de ver o sol, de botar meu chinelo e preparar um café da manhã. Sinto vontade de levantar cedo para aproveitar o dia, ir na praia ou na lagoa. Aproveito então e nem durmo. Ainda olhando pro teto só penso. Penso se não tivesse raizes. Se esse papo ao pé do ouvido de que meu lugar não é aqui não for coisa da minha cabeça. E se meus pés fossem livres me levariam sem pedir...

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