segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Olhava fixamente entre as quatro linhas. Fundo preto, foco de luz no centro. Enquadrada no breu. Podia olhar pro lado que fosse. Estava cansado, com fome e com os dedos queimados. Podia olhar o fundo preto com meus próprios olhos, mas não é pra isso que sou pago. Me concentrava na tela.
Fica na posição pra gente ver?
Ela não sabia se era jornalista ou bailarina. Alta, magra, de cintura fina. Em cada orelha um brinco pequeno e o cabelo encaracolado preso. Blusa sem manga de cor que não me lembro e um shortinho jeans inesquecível. Entra em quadro guiada pelo diretor.
Bem embaixo da luz... Tá com o guarda-chuva? Ela exibe o objeto de cena animada.
Se não me engano os dois eram amigos e assim foi escalada para o filme. Por falta de gente ou vai ver que dançava bem mesmo, não sei, mas pra mim ela tinha se apresentado como Carla, estudante de jornalismo, amiga de sei lá quem, fotografo, que supostamente me conhecia, queria ser fotografa também, queria saber se podia ficar por perto me observando e tirando dúvidas. Nada sobre ser bailarina. Depois ainda soube que fora jogadora de volei, mais nada. Convidei então para que me desse assistência ao invés de só olhar. Ela sorriu... E aquilo foi só uma previa...
Vamos lá Carlinha. Agora é seu momento de brilhar! Ela sorriu da piada. Cerrou o rosto para se concentrar. Em milésimos de segundos abriu um sorriso e fez seu solo. Girou algumas vezes com o guarda-chuva, rodopiou e pulou. Até que terminou batendo com ele no chão como uma bengala, se apoiou com as duas mãos e empinou o quadril. Numa clássica pose de pin-up.
Não Carlinha... Seduz... Sedução... Você faz muito melhor que isso.
Eu ainda olhava tudo fixamente entre as quatro linhas. Invisível como todo câmera é adestrado a se sentir. Seja pra registrar uma encenação, seja pra acreditar que escapa das balas numa guerra. Eu sentado ali me sentia protegido. Não podia esperar pelo que vinha. E ela sem esperar o ação girou, rodopiou e pulou novamente. Apoiou as duas mãos, empinou o quadril... e olhou diretamente na lente, olhou diretamente pra mim, me atingindo direto nos olhos. Pareceu me olhar por longos segundos e ainda consegui me descolar o olhar e descer por toda sua coluna, chegando no quadril, pernas, shortinho jeans. Que mulher era aquela que continuava me olhando fixamente? E mais uma vez abriu aquele sorriso.
Muito bom!! Vamos fazer valendo?
Ela fez olhando pra mim!
Só um pouco de cuidado no primeiro giro hein.
Não fez?
Som? Luz? Tudo pronto?
Jogando tudo pro alto levantei e encarei a guria por cima da câmera. Foda-se o que acontece entre as quatro linhas. E ela concentrada no que lhe diziam repetia distraída o movimento no quadril olhando para o próprio. Uma, duas, três vezes. Deu mais um giro. To pronta. Virou para a câmera, mas olhou nos meus olhos desprotegidos. E sorriu. Aquele sorriso novamente. Como eu suspeita. Pra mim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Há mais de 5 anos...