Ela gosta de usar rabo de cavalo, mas eu me derreto todo quando está de cabelo solto, longos e belos, avermelhados pelas tintas, morenos por natural. Parece que pintou só para me agradar. Ela gosta de usar blusas justas ao seu belo corpo por baixo e blusas largas, como panos soltos, por cima, sempre em tons de branco. E calça jeans contornando suas formas, tornando-a toda delicada. Sem mais palavras: LINDA.
Uma vez sentado em frente à loja onde trabalha a ouvi conversando em francês com uma amiga, não havia o porquê de ser outra língua, tão leve, tão suave, combina perfeitamente com sua beleza. Foi assim que supus que fosse francesa, apesar de que a alternativa de que era uma amiga do curso de francês que a visitara na loja e estavam praticando fosse bem mais viável. Até porque ambas riam muito, pareciam se divertir enquanto falavam. Mas preferi manter assim, como minha francesinha. Eu nunca pratiquei inglês com um amigo assim, mas também com minha falta de interesse no curso não posso me levar em conta.
Essa foi a única vez que ouvi sua voz. O banco onde sento em frente sua loja é o longe o suficiente para eu não conseguir ouvir sua voz lá de dentro e aquele dia tive a grande sorte de ela e a amiga estarem conversando em frente à vitrine, do lado de fora. Assim nunca a ouvi falando português somente francês. Mesmo que meu banco ficasse em cima da mesa do caixa não mudaria muito.
Ela não é muito de falar, assim como eu. Passa o dia cantarolando baixo, quase que só movendo os lábios (eu suponho) as musicas que tocam na radio interna da loja. As musicas eu consigo ouvir e gosto de cantarolar junto, sem ela perceber. Nosso gosto para musica é igual e foi ela que me fez sentar ali pela primeira vez, quando eu procurava um lugar para matar o tempo dentro daquele shopping vazio. Sentei por causa da musica e fiquei por causa dela, foi quando a vi cantarolando pela primeira vez uma musica muito bela que agora é nossa musica, mesmo sem ela saber. Dês de lá volto sempre, na mesma hora, mesmo dia.
Alem de cantar ela realiza seus deveres diários do trabalho, sempre em movimentos leves e com muita delicadeza, como se dançasse ao realizá-los. E eu sei que na verdade ela disfarça sua dança em meio a outros movimentos cotidianos pela vergonha que tem de dançar em publico as musicas que tocam no radio. As vezes a imagino dançando em seu quarto sozinha enquanto se arruma para sair.
Sempre no “mesmo horário” ela veste os manequins da vitrine. Me pergunto se é ela que escolhe os modelos. Se for, não temos muito o mesmo gosto de roupa. Às vezes o conjunto não me agrada, eu mudaria uma coisa ou outra e com o tempo isso acabou se tornando uma de nossas atividades conjuntas. Ela veste os manequins e eu julgo, sou muito sincero.
Entretanto sempre gostei muito das roupas que ela pessoalmente usa, sei que são da loja, mas são bem mais belas que as da criatura imóvel atrás da parede de vidro. E elas me dizem muito do humor dela no dia, pelas cores, números de pesas e tudo mais. Como todo homem gosto dos dias em que ela vem com roupas mais sexys, me faz sonhar e delirar ainda mais com minha francesinha.
Apesar de um dia um cara metido a galã de cinema ter entrado na loja. Fingiu que ia comprar algo só para paquerá-la.Não vi ela dando telefone nem nada para ele, mas ela corou, pareceu gostar. Como fiquei mordido aquele dia. Será que isso é um sinal de paixão? Acho que devia logo entrar lá pra puxar um papo... Até parece que vou fazer isso.
O que será que ela pensa de alguém que sempre fica sentado em frente a sua loja? Se é que reparou em mim, estou sempre lendo algo (ou fingindo ler), bebendo um refrigerante ou algo do tipo. Não pareço um admirador.
Mas houve um dia em que ela olhou para mim, um pouco antes de eu ir embora. Parecia triste, estava com uma olhar longe durante o tempo todo, fixo em detalhes da loja que normalmente ninguém da importância, como o tom alaranjado do ultimo cabide da arara. E uma hora esse olhar caiu sobre mim. Só assim para reparar que eu estava ali, mas não parece ter me reconhecido de qualquer outro dia. Tinha certeza que algo acontecera na noite passada e ainda ecoava em sua cabeça. Fiz de tudo para não pensar que foi uma briga com o namorado, não podia haver um namorado!... Queria tanto poder ler sua mente naquele minuto em que ficou me olhando e eu olhando meu livro.
Hoje, exatamente agora, enquanto escrevo. A observo pelo canto do olho novamente. Embora aqui seja coberto, não há como negar que hoje é um dia chuvoso. Algo no ar não deixa esquecer dessa chuva que pegou a todos de surpresa. Ninguém saiu de casa preparado para ela. O cabelo dela ainda está molhado, como se tivesse saído do banho e eu todo embarcado ainda pingando no chão.
O frio só aumento minha preguiça, não fui embora quando deu o hora da minha próxima aula, preferi continuar escrevendo e isso tomou grande parte da minha atenção, não a observei muito hoje, não julguei seu manequim, não vi que musica ela cantarolou. Agora que a tinha no papel não precisava observa-la.
As horas foram passando. A chuva minguando e de repente a vi vestindo seu casaco e se despedindo de todos da loja. Seu turno acabara e assim o meu também, juntei minhas coisas. O impulso de segui-la foi enorme, antes de me dar conta a curiosidade já me levou a seguir seus passos. Ela visivelmente ia em direção ao ponto de ônibus, podia morar a quilômetros de distancia, mais longe que eu. Vale a pena ir só para saber onde mora? Eu estava nervoso, fazia de tudo para não ser descoberto, escondido na sombra afastado dela.
Meu ônibus apareceu ao longe. Era covarde demais para arriscar me perder do outro lado da cidade. Fiz sinal para o meu e fui o primeiro a entrar, paguei e sentei logo atrás do cobrador. Fiquei paralisado quando a vi subir no mesmo ônibus e se sentar pouco a frente O destino me sorriu e eu sorri de volta. Nós pegamos o mesmo ônibus todo dia, só que com duas horas de diferença.
Mas eu ainda era covarde demais para descer aonde ela descesse ainda mais se fosse além do meu ponto. Torci para que descesse antes para eu pelo menos ter uma idéia de onde mora.
A viagem durou quarenta minutos e eu já me distraia pensando em como explicaria minha chegada duas horas antes do normal. Até que meu ponto chegou e ela continuava lá, sentada. O destino mudou para sorriso sarcástico e eu fingi não ver. Puxei a cordinha e me posicionei em frente a saída. Me segurava enquanto o ônibus ainda chacoalhava e olhava a todos no ônibus (todos uma ova, para ela) e a vi levantar, caminhar e parar atrás de mim esperando descer também. Gelei! Escondi meu rosto por reflexo. Será que me reconheceria?
O ônibus parou. Desci e fingir amarrar o tênis, esperando ela tomar seu caminho. Agora nem que eu fosse o mais covarde do mundo, tinha que segui-la, nem que fosse bem de longe. E foi sim, de longe que a vi entrando em casa. Demorei para acreditar que aquilo era verdade. Minha francesinha era minha vizinha de trás. Na casa mais silenciosa das redondezas, nunca soube quem morava ali.
A chuva voltou a apertar. Corri para casa.
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