Acho que para ele não caiu a ficha ainda. Não parece esconder, parece não saber mesmo. Acho que se engana. Vive como se fosse apenas uma viagem de férias aqui em casa. Faz de tudo para evitar o assunto, foge de situações que o fariam lembrar. Passa o dia a puxar os assuntos interessantes que adora ironizar. E respirando fundo calado, por onde a tristeza escapa como panela de pressão.
Mas às vezes parece que não consegue conter os pensamentos e desata a falar. Não fala nada sobre o que aconteceu. Apenas descreve cada um deles. Conta com o máximo de detalhes o que consegue relembrar, o pai, a mãe e os irmãos. Os cachorros, o gato e até a tartaruga. Nunca o questionei, nem uma única vez, nem disse uma única palavra nesses momentos dele, só dele. Apenas dei ouvidos, dei o que ele precisava até o fim, sem tirar os olhos dele. Mas ele só precisa mesmo é de uma direção. Ele vira o rosto para mim e desatina a falar sem aviso prévio. Depois das primeiras frases já muda o modo de falar, o tom da voz e a velocidade. É como eu reconheço o "momento". Ele não fala mais para mim, ele só vomita todas aquelas dores pelo chão da cozinha. Como se estivesse sozinho ali. Mantem um olhar de quem espera pacientemente aquele descontrole do seu inconsciente acabar. Sabendo que se sentirá melhor ao fim daquilo tudo. Um pouco melhor do que ontem, um pouco melhor do que amanha.
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