terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Quarta feira - 15:00

Não nos fora dado endereço ou hora certa, só um ponto de encontro. A lanchonete Subway. Esperamos uns dois cigarros até ele chegar, também de ônibus. Entramos por uma rua abandonando a avenida. Passamos por casas da classe A do Rio de janeiro. Até uma praça arborizado com playground para as crianças do bairro. Subimos uma longa escada mal cuidada como aquelas que normalmente dariam para uma favela, mas no topo haviam mais casas e prédios ainda mais caros. Rua com vigias, que abordavam todos que passavam, menos os maus elementos que toda escadaria nessa cidade atrai. Apesar de naqueles cantos isso se resumir a maconheiros e um ou dois traficantes de apartamento.
Vamos ao apartamento de um amigo meu - explicou ao vigia. Atravessamos um jardim até chegar ao prédio. Abriu o portão com a chave. O amigo de infância é comissário de bordo, estava no Maranhão. Havia disponibilidade um teto para um "foragido", mas nem era do ativismo. - Na verdade acho que fuma só comigo pra manter a amizade. - E riu.
Estávamos ali para entrevistar o criador do coletivo de cultivadores que eu já ouvia falar quando muleque, ao mesmo tempo que escutava minhas primeiras músicas do planet hemp. Doze anos depois de formar o grupo se tornou alvo de investigação policial ao organizar um encontro nacional de cultivadores.
Em meio a era digital e de black blocs nada fora conversado por telefone ou internet. Não era nem pra saberem que estava no Rio. Um grau de cautela que nós ficamos com um pulga atrás da orelha se não valia mesmo a pena seguir. É complicado medir o tamanho do risco que se corre quando se está dentro dele. Foi o que os  meses de cultivo haviam nos ensinado. Seguimos as indicações a risca para conseguir nossa entrevista exclusiva. Em dias ele iria prestar depoimento a polícia. Em dias ele poderia se tornar o prisioneiro político mais importante para os antiproibicionistas.
Em minutos estávamos trancados numa sauna de ar condicionado. E como todo cultivador, antes de qualquer coisa nos rendemos ao hábito de falar das recentes colheitas. Apresentamos nossa primeira safra. Ouvimos elogios. Ele botou na roda o haxixe mais oleosos que já vi, diretamente de um grande cultivador Colombiano, ironicamente procurado pela polícia de lá.

Quando os conhecemos, seis meses antes, já sabíamos da fama de gênio difícil. Éramos novos na militância e todos olhavam ainda desconfiados para o nosso trabalho, mas ele nos recebeu em casa para uma entrevista em meio ao churrasco com amigos. Passamos o dia na sua casa, se é que se pode chamar de casa. O primeiro andar era sua loja de produtos para cultivo indoor, os fundos o QG do coletivo de cultivadores. E no segundo andar seu quarto e o terraço. Sua vida é a militância. Os amigos no churrasco eram militantes. Os bates papos nas mesas eram sobre a militância. Mas ele curiosamente me lembrava meu pai. E hoje já não lembro o porque. Fora a primeira vez que fumei green ostensivamente.

Já mais do que aquecidos, no fim do dia saimos da sauna e sentamos na enorme sala com sofá em L, para uma conversa de meia hora filmada. - Foi como treinar para o depoimento. - Além da entrevista gravamos um depoimento em plano sequencia para jogar a merda no ventilador caso fosse preso.
Voltamos a rua para comer. Rodamos, rodamos e terminamos no subway. Sentados na mesa mais isolada. Ou nos isolaram sentando nas mesas mais distantes. Depois de um tempo já é difícil dizer. Desde sempre se escondendo. Evitando olhares. Maconheiros costumam somente conviver entre si porque compactuam do mesmo crime. Cultivadores ainda mais, pois suas casas por si só já são um crime, considerado hediondo pelo código penal.

Na segunda vez que nos encontramos ele estava no Rio. Nos encontramos no centro, reunião de negócios para fechar uma parceria. Curiosamente ele tinha curtido nosso trabalho e nós cada vez mais entranhados na militância tinhamos partido para o que acreditamos ser a linha mais enérgica de resistência, uma mistura de desobediência civil com liberdade de consciência. Começamos a plantar também. Tomamos um "lado" na militância. O dele. E por convivência surgiu a amizade.
Reunião feita, fomos caçar uma banca para comprar seda. Paramos no primeira e eu perguntei se havia. - É. Pros maconheiros aqui fazerem a digestão. - O senhor fez que não com a cabeça e ele saiu rindo da banca. - Tem que assustar esse povinho mesmo. - Entrou na segunda já quente. E deu de cara com um pm comprando uma raspadinha. Travou o passo e não entrou. Pra evitar uma situação estranha fiz uma fila atrás do fardado. Calado. Esperamos ele se afastar um pouco. - Me ve a smoking prata.
Fumamos na praça Paris um prensado tipicamente carioca.

No dia seguinte já iria voltar pra casa, pegar umas roupas e ir viajar novamente para a cidade aonde iria depor. Não escondia o medo. Não escondia que estava se sentindo sozinho nessa. Ou mais sozinho do que imaginava. Agradeceu a tarde e partiu para a casa de outro amigo, dormiu praticamente todas as noites lá. - Vou encontrar com ele antes num bar em botafogo, essa galera só pensa em beber.







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